Mulheres do empate: a luta feminina nos seringais

No Dia Internacional da Mulher, o Comitê Chico Mendes traz à tona relatos de mulheres que fizeram a diferença no cenário pela proteção da Amazônia

Marina Silva em um empate em Xapuri nos anos 80. Foto: Acervo Memória e Legado.

O Dia Internacional da Mulher nasceu de uma luta. Uma luta, que naquele momento, foi perdida. As mulheres mortas naquela fábrica, na história que sempre ouvimos na escola, queriam direitos trabalhistas. A reivindicação levantada, hoje, é mais do que tudo, um lembrete de que precisamos continuar na frente, gritando e protegendo nossas vozes.

Na Amazônia acreana, as mulheres desempenharam um papel fundamental na resistência seringueira e na luta pela preservação da floresta. Muito além do extrativismo, foram elas que, entre desafios e deslocamentos exaustivos, levaram educação para comunidades isoladas, tornando-se pilares na formação de novas gerações e na conscientização ambiental.

A trajetória de uma dessas professoras, Raimunda Conde, revela o esforço diário para alfabetizar crianças, jovens e adultos que, até então, não tinham acesso à leitura e à escrita. Ela conta os desafios enfrentados:

"Primeiro de tudo, foi ser professora dos seringueiros, mesmo sem experiência. Enfrentei o desafio do deslocamento para fazer as formações", relembra.

O aprendizado se dava em condições adversas: os deslocamentos eram feitos a pé, de barco ou montados em animais, muitas vezes exigindo longas jornadas até a cidade.

“Como eu era quem sabia um pouco mais na comunidade, comecei a me preparar. E aí, fui ensinar as pessoas — crianças, jovens e adultos — a ler e escrever um pouco, porque ninguém sabia. Aos poucos, fui enfrentando os desafios, né? Isso foi em 1988. Já havia uma turma do Próspero Seringueiro que começou antes de mim, e eu me engajei nessa turma. Fui enfrentando as dificuldades, principalmente o deslocamento, porque tudo o que a gente fazia era de barco, a pé ou montado em animais. Para ir até a cidade, era uma grande dificuldade, mas a gente chegava lá. E assim, fomos encarando todas as dificuldades”, conta a professora.

Lembranças

A luta feminina nos seringais, no entanto, não se limitou à sala de aula. No final da década de 1980, a intensificação do desmatamento por fazendeiros trouxe um novo desafio: a necessidade de resistir. Mulheres, homens e crianças seringueiras se uniram nos chamados "empates" — forma de protesto pacífico para impedir a derrubada da mata. As professoras desempenharam um papel essencial nesse processo, mobilizando alunos e familiares para a defesa do meio ambiente.

"Trabalhávamos a conscientização sobre como evitar o desmatamento, como preservar a floresta. E no dia a dia das escolas, ensinamos a ler, escrever, contar, fazer as quatro operações e, ao mesmo tempo, trabalhávamos essa consciência ambiental", conta a professora.

Professora Raimunda Conde foi uma das primeiras participantes ativas do Projeto Seringueiro. Foto: Cedida.

A educação se tornou, assim, uma ferramenta de resistência. Enquanto as mulheres ensinavam nas escolas, preparavam os alunos para compreender os riscos do desmatamento e a necessidade de proteger a floresta, que era seu lar e seu meio de subsistência. O trabalho dessas professoras foi crucial para fortalecer a consciência ambiental entre as comunidades extrativistas, um legado que ecoa até os dias de hoje.

“Eu considero que, para nós, mulheres na luta, até hoje enfrentamos essa batalha, tanto fora quanto dentro da sociedade, na nossa comunidade. Nós lutamos pelo extrativismo. Eu sou uma das que defendem essa forma de vida, defendo a natureza, e até hoje sigo nessa luta, enfrentando desafios como presidente da nossa associação, a Comunidade dos Irmãos. E é por isso que ainda estamos de pé”, diz Raimunda Conde.

Maria Helena Ribeiro da Silva, 53 anos, residente de Xapuri - Seringal Floresta, colocação Rio Branco e Filha de Antônia Soares Ribeiro e João Gomes da Silva, esteve presente nos empates. Integrante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e da associação de moradoras da Reserva Extrativista Chico Mendes, ela relembra a trajetória de sua família.

“Minha mãe participava dos empates desde os primeiros que tiveram. Porque os fazendeiros chegaram, queriam expulsar a gente. A gente começou a se mover pra ver o que podia fazer pra não sair, a gente não tinha onde ficar. Eu tinha 13 anos. Quando começou a formar o sindicato, e o Chico Mendes era o líder e minha mãe começou a ir junto com ele, e as outras mulheres também, que é uma coisa que a gente, às vezes, fica observando, que os homens, eles fizeram muito a parte de ir pros empates, mas na hora certa mesmo pra resolver as coisas, as mulheres tomaram a iniciativa de não deixar eles irem sozinhas”, conta Maria Helena.

Encontro de jovens “Crias de Chico Mendes”, na edição da Semana de 2023. Foto: José Vitor Ferreira - Comitê Chico Mendes

Ela relembra a primeira vez que foi para um empate com sua mãe e outras mulheres. Com 22 policiais fortemente armados com metralhadoras, o cenário era tenso. De um lado, a força policial; do outro, líderes e apoiadores do movimento, entre eles Chico Mendes, Marina Silva - uma das maiores lideranças femininas do Brasil - e Mauro, um professor da Universidade de São Paulo. A mobilização já contava com o apoio de diversas pessoas de fora da região, que começavam a fortalecer a luta local.

Por cerca de três a quatro horas, o grupo enfrentou os policiais de frente, resistindo à pressão. Apesar da dificuldade, a resistência prevaleceu, e as forças policiais acabaram recuando. Após o impasse, os manifestantes seguiram para Xapuri, onde se alojaram na Igreja Católica, que, juntamente com o sindicato local, oferecia suporte constante às ações do movimento.

“A gente não tinha essa estrutura, mas ela [minha mãe] sempre acolheu. A gente ficou uma semana aqui acampado, dormindo, comendo. Um dava uma coisa, outro dava outra, e a gente ia fazendo a nossa alimentação”, fala dos momentos difíceis em prol da proteção das comunidades tradicionais.

A liderança seringueira também destaca o papel fundamental das mulheres nesse processo. “Eu admiro muito as mulheres de garra, as mulheres de resistência, as mulheres de força, porque elas não desistem, não abrem mão dos seus interesses e dos interesses comunitários para ajudar outras mulheres”, afirma Conde. Segundo ela, a luta não é apenas individual, mas coletiva, pois muitas ainda enfrentam barreiras para se engajar.

Esperança

Diante dos desafios, essas mulheres seguem promovendo conscientização e construindo redes de apoio. “Nós estamos aqui, lutando, fortalecendo essa resistência para que outras também se aproximem e resistam junto conosco, enfatiza Raimunda. Para ela, a presença feminina nos seringais é essencial para garantir um futuro sustentável.

"Se não houver mulheres para resistir, como será o futuro da nova geração?", questiona. E a resposta, segundo Raimunda Conde, está no presente: garantir que a força e a vontade de lutar sejam plantadas hoje para que floresçam amanhã.

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