Comitê Chico Mendes

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Nos 80 anos de Chico Mendes, ativistas, instituições e jovens falam sobre a continuidade e a importância do legado do líder seringueiro para o planeta

O ambientalista que morreu lutando pela floresta acreditava que “atos numerosos não salvam a Amazônia”, mas os herdeiros de seus ideais seguem convencidos  de que a força de seu nome ressoa no tempo

“Um grande mestre”, descreve Gomercindo Rodrigues, advogado, 65 anos e companheiro de luta de Chico Mendes nos seus últimos três anos. Neste 15 de dezembro, o líder seringueiro completaria 80 anos de vida. Em 2024, além de seu aniversário, também se comemora - sim, uma celebração - a resistência que a sua partida causou em todo o planeta. Jovens, comunicadores, lideranças, extrativistas, instituições. Em memórias que atravessam o tempo e as fronteiras de territórios, permanece a mensagem que Chico Mendes vive e revive todos os dias

“O legado do meu pai, para mim, é incrível porque é contemporâneo. Quando se fala nele, percebe-se que ele realmente pensava além do seu tempo”, reflete a filha de Chico, Angela Mendes, presidente do Comitê Chico Mendes. “Estamos em um momento em que valores ou políticas como a educação, por exemplo, são extremamente relevantes para que consigamos promover essa transformação no pensamento da sociedade. ”

Angela traz consigo uma trajetória marcada por reflexões profundas e descobertas pessoais. Criada distante da convivência direta com o pai na adolescência, ela teve uma formação baseada em perspectivas diferentes. Foi somente após amadurecer, estudar e pesquisar sobre a atuação do pai que compreendeu a dimensão do legado que ele deixou. Esse processo revelou para Ângela que sua conexão com Chico Mendes vai além do laço sanguíneo:

“Existia um propósito maior: a luta por um mundo menos devastado e menos violento. Como presidenta do Comitê, sinto que estou em um espaço onde posso contribuir para atualizar, fortalecer e manter o legado dele, mas sempre lembrando que tenho minha própria história, minha visão de mundo e minhas experiências”, reflete Angela. “Só despertando esse sentimento de compromisso, responsabilidade e solidariedade, podemos caminhar nesse mundo.”

O legado do líder sindicalista também caminha por meio de instituições públicas e privadas, como o Ministério Público do Acre. A procuradora de justiça, Meri Cristina, de 56 anos, que ficou 24 anos à frente da promotoria de Meio Ambiente, conta sobre a perspicácia de continuar com as conversas e lutas que o acreano, assassinado em 1988, levantou em um setor como o MPAC.

Entrega doações para famílias afetadas pela enchente em Manoel Urbano realizada pelo MPAC. Foto: Agência de Notícias do MPAC

“Dois aspectos muito importantes são, primeiramente, a preocupação crescente com o desmatamento e a substituição da floresta por grandes áreas de pasto [...] Chico Mendes deixou bem arraigada essa preocupação de que a vegetação natural, característica do estado, não fosse alterada de maneira excessiva ou exaustiva. Atualmente, estamos chegando a um ponto de poluição extrema, com a substituição contínua da floresta por pastagens. Em segundo lugar, ele foi um ambientalista pioneiro na preocupação com políticas ambientais no estado e no país, tanto que recebeu reconhecimento nacional e internacional”, declara a procuradora de justiça.

Zezé Weiss, editora da revista Xapuri, também exemplifica como sua atuação profissional é, acima de tudo, uma homenagem ao que Chico tanto lutou para que se tornasse verdade: a Amazônia no centro do debate mundial, ainda mais levando em conta o sistema  de comunicação e econômico atual, em que os que vêm de baixo não conseguem colocar a sua luta em um plano que faça dela uma caixa de ressonância.

“O legado de Chico Mendes me atravessa muitas décadas, porque é o que tem de mais forte, que fala diretamente ao coração das pessoas e defende a floresta em pé, não só para as gerações de agora, mas também para as gerações futuras [...] Fazer mais do que uma revista, criar um espaço de resistência que possa, assim como no tempo de Chico Mendes, dar voz àqueles e àquelas que, por razões diversas, se tornam invisíveis na luta”, exemplifica.

Para além de companheiras e profissionais que ao conhecer Chico Mendes se comprometeram a dar sequência à defesa das comunidades que moram dentro da Amazônia, o impacto das palavras que o Chico e seus colegas espalharam pelo Acre também chegou em que nasceu após a década de 70, na virada do milênio e prossegue: 

“A mensagem e o legado que Chico Mendes deixou tocam profundamente a minha vida. É algo muito forte. A morte dele não foi em vão. Quando Chico morreu, nasceu o legado que ele deixou para todos nós: para a juventude, para quem luta por essa causa. Ele deixou um legado poderoso, baseado na disciplina, na organização e na luta. Esse legado reverbera até hoje, décadas depois, cada vez mais forte e inspirando muitas pessoas”, diz Sâmila Marçal, jovem de Xapuri, cidade de Mendes.

Sâmila revela que, quando pensa na luta de Chico, percebe o quão foi intensa e pesada, mas também o quanto trouxe benefícios para muitas populações. Ela se emociona.

Chico, para além do líder

“Eu trabalhei com ele durante três anos, de 1986 até o dia do seu assassinato. [...] Apesar de eu já ter uma graduação em Agronomia quando fui trabalhar com Chico em Xapuri, aprendi muito com ele. Meu trabalho era discutir a ideia de cooperativas, e durante aqueles três anos, andei pelo seringal ao lado dele. O Chico me ensinou a ouvir mais, embora ele tivesse muito mais capacidade para isso. Ele sabia dialogar com diferentes correntes, sejam políticas ou sindicais, sempre buscando ampliar o leque de apoio para a luta que ele liderava”, conta Gomercindo Rodrigues.

Em relatos de companheiras e companheiros, para além do líder que realizava palestras fora do Acre e do Brasil era, acima de tudo, presente na base, nas comunidades e mais. 

“Ele falava com todos os segmentos, mas nunca deixou de ser o Chico Mendes. Ele participava do trabalho de base, como no Encontro Regional de Seringueiros do Vale do Purus, antes de ser assassinado. Ele conseguia dialogar com todos, de ambientalistas a políticos dos EUA, como o senador republicano Robert Kasten, presidente da Comissão de Orçamento, que pressionava o Banco Mundial e outros organismos internacionais a adotarem critérios ambientais nos financiamentos. Mas, ao mesmo tempo, era o Chico Mendes que adorava jogar dominó com o pessoal da colônia. Ele sempre foi uma pessoa simples, mesmo com toda a repercussão que teve. Nunca deixou de ser Chico Mendes, nunca deixou de ser ele mesmo, comprometido com a luta”, detalha ainda mais o colega do líder seringueiro.

Quem também foi amigo de Chico foi Genésio Natividade, advogado, convocado por Mary Allegretti, para auxiliar o organizador dos empates pelas comunidades extrativistas em Xapuri.  Genésio já tinha experiência na área de direito civil, especialmente em questões fundiárias e possessórias, que eram justamente os problemas que Chico enfrentava. Ele lidava com disputas de terra de seringueiros que viviam ali há décadas, mas que eram ameaçados por pessoas que chegavam com documentos, dizendo que eram os donos.

“Eu já tinha conversado antes com um amigo meu, que havia estado no Acre e me falou: ‘Genésio, tem um serviço lá que talvez você se interesse, se quiser trabalhar na Amazônia’. Eu sempre tive interesse em conhecer e atuar na Amazônia, então, quando apareceu essa oportunidade, aceitei. A Mary me chamou para ser advogado, dizendo que era para defender a floresta amazônica e os direitos dos seringueiros [...] Foi nesse contexto que conheci o Chico e comecei esse trabalho. Convivi intensamente com ele. Viajei com o Chico para reuniões em Xapuri, Brasileia, Sena Madureira e até em Rondônia”, relembra.

Vista área da Reserva Chico Mendes, com parte do Rio Xapuri, na floresta Amazônica, Acre, Brasil. Foto: Juvenal Pereira/ WWF-Brasil

O principal porta-voz da luta dos povos da floresta defendeu a criação das reservas extrativistas. Para Rodrigues, o grande legado de Chico Mendes foi sua capacidade de articular, de levar adiante uma ideia grandiosa como as reservas extrativistas. Angela segue ponderando sobre essa capacidade de articulação de seu pai:

“Ele entendia a educação com esse potencial transformador do seu tempo e do seu espaço, porque ele mesmo foi sujeito dessa transformação. Quando meu pai foi alfabetizado, lá dentro do seringal, não foi apenas o letramento alfabético que ele adquiriu, mas também o sindical e o político. Ele tinha esse olhar para o futuro, e não é à toa que deixou a Carta aos Jovens do Futuro. O cuidado que ele tinha, entendendo que seus companheiros e as populações da floresta também precisavam alcançar um estado de acesso a direitos, era notável. O direito à educação, ao território, à terra, ao pertencimento — tudo isso foi estruturado no arcabouço de ações e iniciativas que ele promoveu”, ela conta .

O apartamento de Genésio Natividade, em Xapuri, tinha telefone, e acabou virando um ponto de referência para o Chico. Jornalistas estrangeiros ligavam para o seu número para deixar recados para ele.

“Eu cheguei a comentar com o Chico: ‘Você é mais importante que o governador do Acre. Toda semana chegam três ou quatro jornalistas, dos Estados Unidos e da Europa’. Eram jornalistas de jornais importantes e de televisão, que iam até Xapuri e ao Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) Cachoeira, onde o Chico vivia e onde havia conflitos de terra”, conta.

Casa de Chico Mendes, patrimônio histórico brasileiro, em Xapuri. Foto: Iphan

Gomercindo também relembra da atuação de Chico no período em que foi vereador de Xapuri:

“Quando pesquisei para escrever um livro, encontrei registros de discursos dele na Câmara Municipal de Xapuri, nos anos 70 e 80. Ele já falava em defesa da Amazônia, um tema que, naquela época, mal começava a ser discutido por alguns poucos ambientalistas e acadêmicos. É uma pena que os registros de áudio desses discursos não tenham sido preservados, porque acredito que só os discursos dele dariam um livro inteiro”, diz.

E por falar em Xapuri, Zezé Weiss explica o significado da palavra que dá nome ao município que foi berço do nosso patrono do Meio Ambiente. 

“É uma palavra de um povo extinto das barrancas do rio Acre e quer dizer ‘o que vem antes’. Uma tradução modernizada seria ‘o que tem que ser feito’.  Esse compromisso com uma comunicação independente cria espaços que, ao longo das décadas, permitem que as propostas e os ideais de Chico Mendes, bem como as lutas dos povos da floresta, consigam entrar na caixa de ressonância do mundo”.

“O que tem ser feito”

Ressoando pelo planeta e pelo tempo, a defesa pelo território abraçou Henrique de Almeida, artivista, diretor visual e membro associado do Comitê Chico Mendes conta como a atuação da organização se apresentou para ele.

José Vítor, Vands, Angela Mendes, José Lucas e Henrique de Almeida, parte da equipe de colaboradores do Comitê Chico Mendes. Foto: Produção “Empates pela Amazônia de Pé”

“Antes de me tornar um profissional, eu fui atravessado pelo Comitê a partir da Semana Chico Mendes de 2008. Naquela edição, houve um concurso cultural, e eu participei incentivado pela minha professora de Biologia na época. Era um concurso que abarcava as escolas de ensino médio, e eu fiz um desenho. Esse desenho foi selecionado e ganhou o segundo lugar. Com o dinheiro do prêmio, comprei meu primeiro computador. Na época, eu nem tinha internet, mas sabia que precisava de um computador porque sempre tive curiosidade de como funcionava a arte digital, como funcionava esse universo. Queria experimentar. Fiquei sem internet, mas com um computador, estudando ferramentas. Eu baixava vídeos de onde dava, trazia para o computador e ficava aprendendo sozinho. Isso foi algo que fiz por muito tempo”, conta sobre a sua história com o Comitê.

Henrique saiu do Acre e atuou profissionalmente e estudou no ramo das Artes Visuais em espaços variados, até voltar para o Acre em 2019. Ao estar presente em diferentes coletivos urbanos em mobilizações culturais, Henrique foi mais uma vez atravessado pelo Comitê Chico Mendes

“O Comitê já estava no entorno dessa movimentação. Então, veio a ideia de fazer o Festival Jovens do Futuro, e me chamaram para criar a identidade visual. Topei totalmente de forma voluntária, e foi aí que comecei a me reintroduzir no Comitê. Esse festival mostrou a potência que existia. Depois disso, fui chamado para fazer a identidade visual do próprio Comitê”, declara.

Para Henrique, o Comitê passou a ser esse lugar onde ele alinha seu lado profissional e criativo com a comunicação. Criado em 1988, na noite do assassinato de Chico Mendes, por familiares, companheiros de militância e organizações da sociedade civil, o Comitê Chico Mendes nasceu como guardião dos ideais e do legado do líder seringueiro e sindicalista. Até 2021, o Comitê atuou como um movimento social, promovendo a Semana Chico Mendes desde 1989 e, mais recentemente, o Festival Jovens do Futuro, iniciado em 2020. No entanto, diante do desmonte da Política Nacional de Meio Ambiente, que afetou gravemente os territórios e suas comunidades, especialmente as Reservas Extrativistas — um dos principais resultados da luta de Chico —, tornou-se evidente a necessidade de fortalecer e estruturar sua atuação.

Edição de 2023 do Festival Jovens do Futuro, na Concha Acústica, em Rio Branco. Foto: Hannah Lydia

Em maio de 2021, após um amplo processo de escutas e diálogos entre membros e parceiros, o Comitê decidiu se institucionalizar. Com colegas de luta, que estavam fisicamente ao lado de Chico e jovens inspirados pela sua mensagem, como Henrique de Almeida, o Comitê Chico Mendes se oficializou como uma força política no meio da Amazônia pela sua defesa, tendo como presidenta, Angela Mendes.

“Tudo isso converge para uma atuação focada na busca por justiça, redução de desigualdades e, hoje, podemos dizer, por justiça climática. Antes de tudo, eu entendo que ser filha [de Chico Mendes] é uma questão complexa. Superar os medos, os traumas, o machismo e até o preconceito contra quem vem da Amazônia é essencial. Eu mesma precisei superar muito para estar neste lugar [de presidência]”, diz  Angela Mendes.

Angela, assim como seu pai, é líder dessa organização que leva o nome de Chico para fora de Xapuri e finca o pé em novos períodos de tempo, para além do localizável. Sobre o tema “lideranças”, Gomercindo fala sobre os ensinamentos que Chico produziu nele.

“Eu estava no Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) Cachoeira, quando a gente saiu para o Equador e, quando nós íamos sair, as mulheres decidiram que iriam à frente das crianças. Ele tentou argumentar, mas elas falaram: 'Não, estamos pedindo permissão, estamos avisando que vamos à frente, pois a polícia não vai querer atirar nas mulheres e nas crianças.' Ele foi, então, aceitou, e ficou com elas, mas as mulheres comandaram nesse momento, depois elas puxaram as professoras com as crianças. E depois, no momento, quando terminou aquela cena das mulheres, cantando o Hino Nacional, os policiais ficaram em posição de sentido por causa do simbolismo. Ele sabia respeitar e entender as táticas. Respeitou a decisão das mulheres e foi junto. Ele era alguém que conseguia fazer isso”, relembra.

Apesar de um cenário alarmante de destruição amazônica, a morte de Chico Mendes acendeu um holofote em defensores da Amazônia sobre a urgência de defender esse bioma e a humanidade que nele vive. Como no Ministério Público, por meio de sua diretoria de Meio Ambiente, que ao longo dos anos, atuou em diferentes focos: 

“No Ministério Público, as demandas, sem dúvida, são sobre desmatamento poluição atmosférica, decorrente das queimadas florestais. Pois atingem o maior número de pessoas, causando poluição e diversos problemas respiratórios. Isso afeta a população como um todo, pois não há como escapar dos efeitos da fumaça e dos gases que ficam no ar durante o período das queimadas”, revela.

Em setembro de 2024, o MP moveu uma ação civil pública com várias medidas que o Estado deve cumprir para combater os incêndios no Acre, após os mais de 3 mil casos de queimadas registrados. Como nos empates contra os chefes de terra, a instituição também enfrenta desafios - como a regressão de leis ambientais reforçada no governo anterior, de Jair Bolsonaro.

“Na medida em que ocorre o enfraquecimento desses órgãos, tanto no nível federal quanto estadual e municipal, há uma fiscalização reduzida e maior dificuldade em encontrar os responsáveis por danos ambientais, o que dificulta o trabalho do Ministério Público”, continua.

Resquícios de queimadas à beira da BR-364, no Acre. Foto: Juan Diaz/ContilNet

Gomercindo também continua, relembrando o viés “profético” de Chico Mendes comenta o seu único erro no que “previa”. 

“Na última entrevista que deu, ao jornalista Edilson Martins, em dezembro de 1988, antes de voltar para Xapuri, Chico disse: 'Se descesse um anjo do céu e me garantisse que a minha morte salvaria a Amazônia, eu morreria feliz. Infelizmente, a história nos mostrou que grandes atos públicos e homenagens não salvarão a Amazônia’. O erro do Chico, se é que podemos chamar assim, foi não ter conseguido mensurar o próprio tamanho. O assassinato dele colocou a Amazônia no centro do debate mundial. E ao fazer isso, digamos assim, talvez tenha desacelerado o processo de devastação”, reforça.


O luto que virou luta

1, 23 metros. Esta foi a menor cota atingida pelo Rio Acre em sua história, marcada para setembro de 2024. Em menos de um ano, o estado registrou recordes de cheia, seca e temperatura - era habitual abrir os jornais locais e ler “a menor cota”, “a maior enchente”, “o mais extremo”. Em março de 2024, o Rio Acre atingiu 17,75 metros, marcando a segunda maior enchente da história de Rio Branco. Foi considerado o maior desastre ambiental já enfrentado pelo estado, tanto pelo número de pessoas atingidas quanto pelo impacto em várias cidades. 

Rio Branco ficou sob fumaça durante mais de um mês em 2024. Foto: Juan Vicent Diaz

“A situação é bastante preocupante, inclusive para o Ministério Público, já que a demanda e a procura por parte da população são sempre crescentes, justamente porque os problemas estão se agravando e ocorrendo com uma frequência muito maior. Nossa região não foge à regra. Alterações climáticas nos afetam ora com chuvas acima, ora abaixo do normal, expondo-nos a problemas como enchentes e maior vulnerabilidade ao fogo. Isso impacta a instituição Ministério Público, assim como tem impactado todas as outras instituições, no sentido de uma população desesperada procurando respaldo e apoio no momento do socorro”, expõe Cristina sobre o papel das instituições nesse cenário.

O MPAC intensificou suas ações para enfrentar os impactos das mudanças climáticas no estado, em 2024. Em parceria com a Prefeitura de Rio Branco e a Defesa Civil de Tarauacá, o MPAC discutiu e implementou medidas emergenciais para mitigar os danos causados pelas inundações. Além de vistoriar áreas atingidas e visitar abrigos em municípios como Assis Brasil, Epitaciolândia e Manoel Urbano, o MPAC também promoveu a campanha “O Acre precisa de ajuda”, mobilizando doações para as famílias afetadas.

A escassez de chuvas ameaça o abastecimento de água potável na zona urbana e nas comunidades rurais, prejudicando a saúde humana, a agricultura e os animais. Em setembro e outubro de 2024, por dias consecutivos, Rio Branco, capital acreana, registrou a pior qualidade de ar do país, entre as capitais, segundo a Plataforma IQAir, da Organização das Nações Unidas e do Greenpeace. Também em um esforço para fortalecer a infraestrutura local, o MPAC participou de seminários sobre saneamento básico na Amazônia e alinhou ações com o Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC) para enfrentar a crise hídrica.

Em um cenário de desequilíbrio, campanhas como “O Acre precisa de ajuda” auxiliam milhares de famílias carentes no estado. Foto: Agência de Notícias do Acre

“Como o próprio Chico Mendes dizia, no começo ele pensava que estava lutando pelos seringueiros, depois pela floresta. E no fim, ele entendeu que a luta dele, e a de todos os seus companheiros e companheiras, era, na verdade, pela humanidade. Sem floresta, não há planeta. Sem planeta, não há gente”, reflete Zezé Weiss sobre a urgência de alianças em alerta para a destruição que o agronegócio acarreta em nossos territórios.

Quando se fala de defesa, precisa se falar dos Empates. Uma das maneiras de resistir que foi adotada pelos seringueiros. Liderados por Chico Mendes, os seringueiros utilizavam os Empates para alertar e convencer os peões, que trabalhavam para fazendeiros de gado geralmente oriundos de outras regiões do Brasil, sobre os malefícios da derrubada da mata. Nos empates, os seringueiros, acompanhados de suas famílias, de forma pacífica, encaravam os peões. Eles explicavam que a destruição da floresta expulsaria as famílias locais e também ameaçaria o futuro dos próprios trabalhadores contratados para o desmatamento.

“Por exemplo, o empate foi parte fundamental na garantia do direito ao território. A aliança dos povos da floresta também desempenhou um papel crucial ao propor um modelo viável de reforma agrária para essa população, que nunca se entendeu como dona de nada. Eles estavam ali, naquele lugar, porque era onde tinham nascido, criado filhos e estabelecido suas raízes”, pondera Angela Mendes.

Chico foi o principal nome de uma luta coletiva pela proteção da Amazônia. Foto: Acervo Fundação Chico Mendes e Acervo Digital do Deptº de patrimônio Histórico e Cultural - FEM

Genésio Natividade conta que Chico estava muito otimista na luta pela defesa da Amazônia naquela época. O sonho dele era ampliar os aliados pela defesa da floresta. 

“Como o Chico acreditava, eu também acredito que vai melhorar. A questão ambiental vai melhorar; agora não é mais apenas uma questão ideológica, mas de proteção da vida, da qualidade de vida e da existência humana e de todos os seres vivos”, afirma Natividade.

Na atualidade, é possível tornar possível esta crença de Chico em uma união pela preservação da qualidade de vida e da florestania. Segundo a Drª Meri Cristina, o exercício da cidadania já integra nestes novos empates que estão presentes na sociedade atual.

“Sempre denunciando os excessos, os danos, e dando visibilidade. Cada cidadão pode e deve fazer essa fiscalização, porque estamos, na verdade, exercendo a cidadania e, principalmente, focando na qualidade de vida atual e futura. A tendência é que tenhamos momentos críticos, seja de calor, seja de eventos climáticos extremos. A participação social, cobrando providências, é muito importante”, afirma a procuradora de justiça.

Jovens do Futuro

Chico tinha fé na juventude. Meses antes de ser assassinado, ele escreveu a Carta ao Jovem do Futuro. Manifesto por um futuro melhor e que pôs fim a todas as injustiças sociais. A partir desse manuscrito nasceu um dos principais encontros do Comitê Chico Mendes,  o Festival Jovens do Futuro. A data escolhida para o festival é sempre 6 de setembro. Dia que coincide com o início da revolução socialista mundial, mencionada por Chico Mendes em sua carta inspiradora para as futuras gerações.

“Aos poucos, fui entendendo o tamanho do legado que ele deixou para a juventude, e isso tocou meu coração. Antes, eu não me via como parte dessa luta, achava que não era uma causa minha. Mas, durante o projeto, percebi que essa é uma luta de todos nós. A partir daí, passei a me interessar cada vez mais pela causa e a contribuir da melhor forma que podia. Hoje, sou muito grata ao Chico e à Ângela, que me inspiraram e não me deixaram desistir. Graças a eles, hoje me vejo como uma jovem protagonista, uma liderança na minha comunidade, e tenho muito orgulho disso”, conta Sâmila Marçal, jovem impactada pelas ações do Comitê Chico Mendes para a juventude.

A partir da fé de Chico no futuro, o Comitê que carrega seu nome incentiva a “passagem de bastão” entre as gerações, inclusive, literalmente. Quem conta sobre este momento simbólico é Henrique de Almeida:

“Um momento muito marcante para mim foi durante a Semana Chico Mendes de 2021, a primeira que participei presencialmente. Teve um ato simbólico em que as pessoas mais velhas passaram a poranga para os jovens. Alguns de nós foram escolhidos para estar à frente. Eu fui um deles. Foi muito forte, porque até então só conhecia aquelas pessoas pelas histórias. Estar ali, na minha frente, fazendo aquele ato simbólico e passando a poranga para mim e para outras pessoas jovens, foi algo muito significativo”, conta.

Angela Mendes reflete sobre a importância do protagonismo das juventudes na defesa da Amazônia e justiça climática:

“Eu acredito que o ciclo da vida é esse: cada geração dá sua contribuição para que a próxima encontre um mundo menos imperfeito. Esta década tem sido marcada por uma juventude mais mobilizada, em parte pelas ferramentas tecnológicas disponíveis. Estamos vivendo um novo empate, e a juventude tem um papel crucial porque domina essas ferramentas”, diz.

Pertencimento e continuidade da memória e legado

Em 2024, a Semana Chico Mendes celebra os 80 anos do seringueiro e socioambientalista que tornou a luta pela Amazônia um símbolo global de resistência. O evento, em parceria com diversas organizações pelo Brasil, espera reunir centenas de pessoas no coração da Amazônia. Gomercindo Rodrigues lançou uma edição em italiano de seu livro - originalmente lançado em 2009 - Caminhando pela Floresta com Chico Mendes.

Papa Francisco recebendo a obra escrita por Gomercindo Rodrigues. Foto: Vatican Media

“Algumas pessoas, amigas e outras, achavam que faltava uma biografia do Chico. Eu não queria e nunca quis ter uma biografia do Chico. Até porque eu acho que ele mesmo não gostaria disso, mas ninguém entendeu nada, então escrevi tudo. E aí, foi a primeira relação, digamos, artesanal, que foi impressa na gráfica do Rivaldo, também com a companheira trabalhando no CPA. Depois disso, foi traduzida para o inglês e lançada nos Estados Unidos em 2007, e, em 2009, conseguimos uma edição pela editora da UFAC, na cidade de São Jacuípe e Doutora Xapuri.

A equipe de divulgação da publicação esteve em diferentes locais da Itália, como Bolonha, Pádua, Mestre, Palermo, na Sicília, uma universidade de direito internacional, em Florença e até uma cidadezinha pequena com 6.500 habitantes, em que existe uma ciclovia com o nome de Chico Mendes.

“Agora, no dia 15, o prefeito quer fazer uma chamada de vídeo, pois irá fazer um arco na ciclovia, em homenagem aos 80 anos do Chico. Essa foi uma conversa que tive com ele, e ele quer fazer uma conexão entre Medula e Chapolin, para fazer esse evento. Conseguimos a ideia do livro no coração, com o apoio. Faz tempo que trabalhamos nisso, mas só tivemos apoio para a tradução e publicação este ano, por causa dos 80 anos, como uma forma de homenagem ao Chico”, revela.

Caminhada até o túmulo de Chico Mendes, na edição da Semana de 2023. Foto: Brenda Spinosa - Comitê Chico Mendes

E os próximos 80 anos?

Chico, além de lutar pela defesa do território de seus companheiros, pensava no futuro do planeta. Como dizia em sua fase emblemática: “No começo eu pensei que lutava para salvar a seringueira, depois eu pensei que lutava para salvar a Amazônia, agora eu sei que luto por todos do planeta”. 

E para finalizar esta reportagem, uma pergunta: “E os próximos 80 anos de luta pelo planeta?”.

Encontro de jovens “Crias de Chico Mendes”, na edição da Semana de 2023. Foto: José Vitor Ferreira - Comitê Chico Mendes

Meri Cristina acredita no exercício da cidadania e na ampliação de informação correta como forma de garantir um futuro com maior atuação da sociedade e, principalmente dos jovens na continuação do legado de Chico:

“A minha expectativa seria de que tivéssemos uma população mais informada e um exercício de cidadania mais efetivo, para que as coisas não se tornassem ingovernáveis do ponto de vista ambiental, uma vez que quem sempre sofre os maiores danos é a população mais carente, com menos condições de se readaptar. Que possamos ter uma juventude mais atuante, mais consciente de seus deveres e, principalmente, de seu papel como cidadãos, cobrando providências e a reparação de danos, de modo que não tenhamos um ambiente inóspito, em poucas décadas”.

Gomercindo Rodrigues destaca a importância do trabalho de conquistar a juventude e do compromisso de continuar lutando:

“É necessário haver uma preocupação em conquistar os jovens para a defesa do meio ambiente, para a defesa da Amazônia, para a defesa dos povos da floresta. Tornar isso um objeto artístico e construtor dessa história. Essa é a melhor homenagem que podemos prestar ao Chico, e o compromisso que precisamos assumir agora, nesses 80 anos e nos próximos 80 anos”.

Genésio Natividade percebe que cada vez mais, a luta está ganhando novas pessoas:

“As pessoas estão percebendo isso, e o número de indivíduos com essa consciência, especialmente entre os jovens, está crescendo cada vez mais”.

Zezé Weiss vai além e ora pela presença de felicidade e dignidade para todos os povos da floresta:

“Para os próximos 80 anos de luta a favor da Amazônia, que o passado de lutas seja uma referência e motivo de orgulho. E que continuemos a lutar pelas mesmas razões que Chico Mendes lutou, por uma floresta de pé, preservada e cuidada pelos próprios povos da floresta, uma floresta economicamente viável e sustentável para a vida no planeta. O que eu espero é que, daqui a 80 anos, o planeta continue com vida e com floresta. Nossa tarefa agora é, neste momento difícil, manter o compromisso com a razão pela qual Chico Mendes lutou: pela vida, por uma floresta de pé, com gente dentro e com muita felicidade para os povos que nela vivem”.

Henrique de Almeida pede mais organização, afinal, Chico também defendia que “Nossa vitória depende da nossa organização e disciplina”.

“Desejo que o movimento consiga amadurecer no seu processo de organização. Isso ainda é uma questão muito presente. Meu sonho é que o movimento consiga se organizar, se unir mais, trabalhar junto e fazer valer toda essa história e todos os princípios que o Chico deixou para a gente também”.

Por fim, Angela Mendes debate sobre a importância de reverenciar os antigos e estar atento e organizado para o futuro. Para a presidenta do Comitê Chico Mendes, é preciso se aliançar.

“Cada geração precisa entender seu compromisso em construir uma sociedade mais justa. A mobilização da juventude deve estar alinhada com o aprendizado das gerações que vieram antes. Olho para o que meu pai deixou, mas também para as contribuições de pessoas que me inspiram, como Júlia Feitosa. É importante manter essas referências vivas como faróis. O empate do século XXI precisa ser uma aliança entre a juventude atual e a geração que construiu a primeira concepção do empate pela vida e pela Amazônia”.