Na Semana Chico Mendes 2024, caminhada ao túmulo do Patrono do Meio Ambiente acontece em Xapuri: “depois de 36 anos, continuamos com essa luta”

Itinerário passa por vários locais importantes para a história do município, e intrinsecamente, de Chico Mendes

Uma das programações tradicionais da Semana Chico Mendes aconteceu na manhã desta segunda-feira, 16, a caminhada ao túmulo do líder seringueiro que dá nome ao maior encontro socioambiental do Acre. O itinerário se iniciou às 7h da manhã, na frente do Sindicato de Xapuri e seguiu com cortejo, parando em locais históricos para a história do município de Xapuri e, consequentemente, de Chico Mendes.

Caminhada percorreu por diversos pontos de Xapuri. Foto: Daniel Nogueira

“A caminhada sempre é um momento muito marcante da programação da Semana Chico Mendes, porque marca também espaços, lugares, onde o meu pai também fez a sua história e que reconstruiu a sua trajetória, a parte do sindicato dos trabalhadores e trabalhadores rurais de Xapuri que é esse espaço simbólico na vida e na luta dele”, relata a presidenta-executiva do Comitê Chico Mendes, Angela Mendes.

Com a presença de diversas lideranças de movimentos socioambientais, amigos de Chico, personalidades de Xapuri e inspirados pelo legado do líder sindicalista, a caminhada contou com diversos momentos de emoção por parte de familiares e pessoas atravessadas pelas falas que contavam detalhes sobre o momento do assassinato.


“Ao tentarem matá-lo o tornaram imortais”

Quem conduziu a maior parte do tempo a caminhada foi Gomercindo Rodrigues, companheiro de Chico e, atualmente, advogado e autor da obra “Caminhando pela Floresta com Chico Mendes”.

“Essa caminhada que nós fizemos hoje virou uma tradição desde Primeiro ano depois do assassinato do Chico, todos os anos a gente faz essa caminhada, visita o túmulo. E é uma forma de homenageá-lo para chamar a atenção da própria cidade, mas a gente passa e as pessoas veem, por mais que não participem, elas ficam vendo que essa luta não morreu. Então, a importância disso é exatamente mostrar que, mesmo de passar 36 anos, a gente continua com essa luta, levando pra frente os ideais do Chico, jogando pra fora, trazendo pessoas de fora pra conhecer esse legado, conhecer essa história”, reforça o advogado.

Gomercindo, Angela e Raimundão seguindo na caminhada. Foto: Larissa Marinho

A jovem Sâmila Marçal, de Xapuri, também teve um momento de fala para contar sua trajetória dentro da militância a favor das florestas. Ela conta que, começou a participar do movimento recentemente, por conta de uma falta de interesse pela causa, mas a partir de um projeto e de uma fala que Angela Mendes teve, ela mudou esse pensamento.

“Ocupar esses espaços de fala é algo super importante para a juventude, para levar o legado que o Chico deixou, levar esse legado adiante. Porque Chico, ele acreditava que essa luta, ela tem que ser levada, conduzida pelos jovens, porque é somente os jovens que vão conseguir vencer essa luta”, diz a entrevistada. “A gente aprende bastante com os nossos anciões, com quem já está há bastante tempo nessa luta, só que a gente sabe que não pode parar aqui, que a gente tem que passar esse bastão adiante. E dessa vez somos nós, mas no futuro serão outros jovens que estarão replicando esse mesmo legado, transmitindo, reverberando as palavras que o Chico deixou”.

Quem estava e quem está

Maria Helena Ribeiro da Silva, 53 anos, residente de Xapuri - Seringal Floresta, colocação Rio Branco e Filha de Antônia Soares Ribeiro e João Gomes da Silva, esteve presente nos empates. Integrante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e da associação de moradoras da Reserva Extrativista Chico Mendes, ela relembra a trajetória de sua família.

Sâmila em seu discurso durante o encontro. Foto: Larissa Marinho

“Minha mãe participava dos empates desde os primeiros que tiveram. Porque os fazendeiros chegaram, queriam expulsar a gente. A gente começou a se mover pra ver o que podia fazer pra não sair, a gente não tinha onde ficar. Eu tinha 13 anos. Quando começou a formar o sindicato, e o Chico Mendes era o líder e minha mãe começou a ir junto com ele, e as outras mulheres também, que é uma coisa que a gente, às vezes, fica observando, que os homens, eles fizeram muito a parte de ir pros empates, mas na hora certa mesmo pra resolver as coisas, as mulheres tomaram a iniciativa de não deixar eles irem sozinhas”, conta Maria Helena.

Ela relembra a primeira vez que foi para um empate com sua mãe e outras mulheres. Com 22 policiais fortemente armados com metralhadoras, o cenário era tenso. De um lado, a força policial; do outro, líderes e apoiadores do movimento, entre eles Chico Mendes, Marina Silva e Mauro, um professor da Universidade de São Paulo. A mobilização já contava com o apoio de diversas pessoas de fora da região, que começavam a fortalecer a luta local.

Por cerca de três a quatro horas, o grupo enfrentou os policiais de frente, resistindo à pressão. Apesar da dificuldade, a resistência prevaleceu, e as forças policiais acabaram recuando. Após o impasse, os manifestantes seguiram para Xapuri, onde se alojaram na Igreja Católica, que, juntamente com o sindicato local, oferecia suporte constante às ações do movimento.

“A gente não tinha essa estrutura, mas ela [minha mãe] sempre acolheu. A gente ficou uma semana aqui acampado, dormindo, comendo. Um dava uma coisa, outro dava outra, e a gente ia fazendo a nossa alimentação”, fala dos momentos difíceis em prol da proteção das comunidades tradicionais.


Resistência

Angela Mendes fala da importância de se manter esta história viva e, principalmente, ouvir quem estava ao lado de Chico na época. Como filha, ela fala de como a afeta emocionalmente, porém como a memória precisa estar acesa na cabeça das pessoas.

“Ouvir a história contada por quem esteve com ele é muito forte pra gente. Então, por além de tudo, a caminhada, ela vai muito profundamente naquilo que a gente tem de mais memória do que foi essa luta. E que ela vem assim de forma muito, muito potente”, fala a filha primogênita de Chico.

Túmulo de Chico Mendes sendo recheado de velas por quem participou da caminhada. Foto: Larissa Marinho

Gomercindo termina com uma metáfora: como a juventude são sementes.

“A gente tá sempre plantando sementes. O Sandrão tava dizendo ali, são sementes. E são mais ou menos como as sementes da seringueira. Elas explodem pra longe, pra nascer. Ou como as da Samaúma, que são levinhas e são levadas pelo vento e vão, às vezes, frutificar, vão formar árvores majestosas bem distantes das suas origens. É isso que a gente procura, manter vivo o legado do Chico, manter viva essa história. E não importa o tempo que passe. E o importante também de ter a juventude participando cada vez mais”.

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